3.11.08
Oração em Dia de Finados
Cumpriu-se hoje mais um Dia de Finados ou de Fiéis Defuntos. Dia de o povo cristão ir aos cemitérios visitar as campas dos seus mortos queridos. Dia de nos lembrarmos daqueles que se foram, daqueles que perdemos, dos que deixámos de ver, de ouvir, de com eles conviver, para com eles concordar ou deles discordar naquilo de que costumávamos falar.
Fui, como habitualmente, pôr flores na campa de minha mãe, falecida em 1999, no ano do desaparecimento da Amália, nascida no mesmo ano em que meu Pai nasceu – 1920 –, ele que, por seu turno, partiu há dois anos e jaz em local distante.
Para os não crentes, agnósticos ou ateus, tudo isto pode parecer pieguice. Seguros da sua enaltecida ciência, acham pueril este tipo de reflexão. Mas os que vão avançando na idade, amparados ou não pela fé noutra vida, não podem furtar-se ao incómodo pensamento da sua irremediável finitude, que cada ano fica próxima.
De há nove anos para cá, sempre que passo pelo Cemitério da Carnide, a caminho da campa da minha mãe ou quando de lá venho e me cruzo com a lápide do grande geógrafo português Orlando Ribeiro (1911-1997), Professor Universitário emérito, homem de vasto saber e nobre carácter, penso no enorme conhecimento que ali ficou com ele enterrado, depositado, mas ignorado, desperdiçado, pelo terminus da vida que o sustentava.
Nada o poderá recuperar, a esse imenso património cultural humano, a não ser pelo estudo, pela investigação e desenvolvimento dos temas por ele trabalhados ao longo de uma vida cheia de acontecimentos e de reflexão fecunda.
Por motivos particulares, passei os dois últimos dias em cemitérios. No Sábado, nos Olivais, para me despedir de um colega, morto subitamente de uma fulminante síncope cardíaca; hoje, Domingo, para lembrar mais de perto a minha querida mãe.
Muita gente, em romagem pela memória dos seus afectos, muitas flores bonitas vendidas nestes dois dias emprestavam vida momentânea a estes lugares de mortos, regularmente sombrios.
Aos que são incinerados, solução que se vai tornando mais frequente, falta o espaço próprio para a deposição das flores, ficam os familiares e os amigos sem local para o exercício do seu culto.
Na nossa tradição de país cristão, ainda maioritariamente assim designado, o culto dos mortos precisa de lugar para esse exercício. É verdade que ele se pode realizar de outro modo, sem perda de intensidade afectiva, mas o peso da tradição, creio, ainda conta muito.
Tenho dificuldade em imaginar uma sociedade sem cemitérios. Neste tempo de corrida obsessiva para o prazer, há um desejo latente de apagar os sinais que nos recordem a fragilidade da nossa vida, a efemeridade dela, e os cemitérios são os marcos mais visíveis da nossa transitoriedade, ideia para muitos insuportável.
Os antigos, por funda precaução, inscreviam nos portões dos cemitérios aquele sentença perturbadora que rezava : Sum quod eris, fui quod es – Sou o que serás, fui o que és – que na época presente soaria insuportável, tão inebriados nos tornámos na busca da diversão permanente, como se nos quiséssemos definitivamente esquecer da nossa precariedade, da nossa inelutável insignificância, da nossa inexorável finitude.
Porque o tempo é precioso e, comprovadamente para nós, um bem escasso, aproveitemo-lo, pois, em qualquer coisa de útil : Carpe Diem.
AV_Lisboa, 02 de Novembro de 2008
Fui, como habitualmente, pôr flores na campa de minha mãe, falecida em 1999, no ano do desaparecimento da Amália, nascida no mesmo ano em que meu Pai nasceu – 1920 –, ele que, por seu turno, partiu há dois anos e jaz em local distante.
Para os não crentes, agnósticos ou ateus, tudo isto pode parecer pieguice. Seguros da sua enaltecida ciência, acham pueril este tipo de reflexão. Mas os que vão avançando na idade, amparados ou não pela fé noutra vida, não podem furtar-se ao incómodo pensamento da sua irremediável finitude, que cada ano fica próxima.
De há nove anos para cá, sempre que passo pelo Cemitério da Carnide, a caminho da campa da minha mãe ou quando de lá venho e me cruzo com a lápide do grande geógrafo português Orlando Ribeiro (1911-1997), Professor Universitário emérito, homem de vasto saber e nobre carácter, penso no enorme conhecimento que ali ficou com ele enterrado, depositado, mas ignorado, desperdiçado, pelo terminus da vida que o sustentava.
Nada o poderá recuperar, a esse imenso património cultural humano, a não ser pelo estudo, pela investigação e desenvolvimento dos temas por ele trabalhados ao longo de uma vida cheia de acontecimentos e de reflexão fecunda.
Por motivos particulares, passei os dois últimos dias em cemitérios. No Sábado, nos Olivais, para me despedir de um colega, morto subitamente de uma fulminante síncope cardíaca; hoje, Domingo, para lembrar mais de perto a minha querida mãe.
Muita gente, em romagem pela memória dos seus afectos, muitas flores bonitas vendidas nestes dois dias emprestavam vida momentânea a estes lugares de mortos, regularmente sombrios.
Aos que são incinerados, solução que se vai tornando mais frequente, falta o espaço próprio para a deposição das flores, ficam os familiares e os amigos sem local para o exercício do seu culto.
Na nossa tradição de país cristão, ainda maioritariamente assim designado, o culto dos mortos precisa de lugar para esse exercício. É verdade que ele se pode realizar de outro modo, sem perda de intensidade afectiva, mas o peso da tradição, creio, ainda conta muito.
Tenho dificuldade em imaginar uma sociedade sem cemitérios. Neste tempo de corrida obsessiva para o prazer, há um desejo latente de apagar os sinais que nos recordem a fragilidade da nossa vida, a efemeridade dela, e os cemitérios são os marcos mais visíveis da nossa transitoriedade, ideia para muitos insuportável.
Os antigos, por funda precaução, inscreviam nos portões dos cemitérios aquele sentença perturbadora que rezava : Sum quod eris, fui quod es – Sou o que serás, fui o que és – que na época presente soaria insuportável, tão inebriados nos tornámos na busca da diversão permanente, como se nos quiséssemos definitivamente esquecer da nossa precariedade, da nossa inelutável insignificância, da nossa inexorável finitude.
Porque o tempo é precioso e, comprovadamente para nós, um bem escasso, aproveitemo-lo, pois, em qualquer coisa de útil : Carpe Diem.
AV_Lisboa, 02 de Novembro de 2008